Pergunta: "Porque é que a Igreja Católica olhou para as descobertas
telescópicas de Galileu em relação à Lua, que o levaram a concluir que
a Lua era imperfeita, como heréticas?"
Resposta por Tim O'Neill (medievalista ateu)
A questão é estranha visto que ela pergunta algo que nunca chegou a
acontecer. A Igreja Católica não qualificou de "heréticas" as
conclusões de Galileu em relação à Lua. De facto, a Igreja Católica
levou os seus próprios astrónomos a confirmá-las, e posteriormente
celebrou-as e honrou Galileu por isto e por outras descobertas
telescópicas. Portanto, a pergunta parece basear-se numa versão
distorcida da História, e não no conhecimento dos eventos em questão.
Galileu foi a primeira pessoa a usar o recém-inventado telescópio para
observações astronómicas, e ele começou a fazer isto no final do ano de
1609. Ele muito rapidamente fez um certo número de descobertas,
incluindo as nebulosas, as fases de Vénus, as luas de Júpiter, e o facto
da nossa Lua estar coberta com crateras e montanhas. Ele publicou estas
descobertas no seu livro de 1610 com o nome de "Siderius Nuncius" (“O
Mensageiro das Estrelas”).
O livro causou sensação porque muitas das suas descobertas contradiziam
a cosmologia Aristotélica que já era dominante há séculos, e alguns dos
filósofos recusarem-se a aceitar que as observações de Galileu fossem
genuínas, alegando que as mesmas eram um artefacto do seu telescópio.
Na verdade, esta era uma objecção potencialmente razoável por aquela
altura visto que os telescópios eram novos e ainda não eram bem
entendidos, e também variavam imenso em termos de qualidade de lente o
que, consequentemente, ocasionalmente distorciam as coisas e pareciam
exibir coisas que não estavam lá.
Ao contrário de mitos comuns em torno da atitude da Igreja em relação à
ciência daquele período, a reacção das autoridades religiosas na Itália
foi de curiosidade cautelosa. O mais respeitado astrónomo da Europa de então era o estudioso Jesuíta Cristóvão Clávio.
Ele entendeu as implicações da descoberta de Galileu, mas como um bom
cientista, antes de as levar mais em
consideração ele queria vê-las confirmadas.
Após convite do Cardeal Belarmino, Clávio instruiu um comité de
astrónomos Jesuitas do "Collegium Romanum" para construírem um
telescópio e verem se conseguiam confirmar as observações de Galileu.
Os cientistas Jesuítas Christoph Grienberger, Paolo Lembo e Odo van
Malecote fizeram isto, e depois reportaram de volta que as observações estavam
correctas. Clávio aceitou este veredicto, embora tenha mais tarde
expressado dúvidas em relação à ideia de existirem montanhas na Lua.
Longe de condená-lo por heresia, a Igreja celebrou as descobertas de
Galileu. No dia 29 de Março de 1611 Galileu chegou a Roma (proveniente
de Florença) e encontrou-se, inicialmente, com o grande patrono da
ciência, o Cardeal Francesco
del Monte. O Cardeal, que o havia ajudado a garantir as suas primeiras
palestras em Pisa e posteriormente em Pádua, ouviu com interesse
a descrição de Galileu relativa às suas descobertas astronómicas.
No dia seguinte, Galileu dirigiu-se ao "Collegium Romanum" onde se
encontrou com dois cientistas que haviam confirmado as suas
descobertas: Grienberger e
Maelcote, pessoas que Galileu salientou numa carta que estavam a
trabalhar em novas observações das luas de Júpiter "como forma de
encontrarem as suas fases de rotação". Longe de rejeitarem os seus estudos como "heréticos", estes clérigos
trabalhavam para acrescentar mais dados aos mesmos.
No dia 2 de Abril,
Galileu visitou o poderoso Cardeal Maffeo
Barberini - que se tornaria no Papa Urbano VIII - que, posteriomente,
lhe escreveu para lhe garantir todo o apoio
possível. Depois disso, Galileu visitou o Cardeal Ottavio Bandini,
que o convidou para fazer uma demonstração do seu telescópio no seu
jardim privado a membros da sua família e à fina flor da
cidade Romana. Finalmente, Galileu recebeu permissão para uma audiência
perante o Papa Paulo V no Vaticano, e escreveu mais tarde como o papa o havia honrado imenso durante o encontro.
No dia 13 de Maio os Jesuítas e os cientistas do "Collegium Romanum"
conferiram a Galileu o equivalente a uma qualificação honorária, com
Maelcote a discursar de forma elogiosa durante o banquete em honra de
Galileu - louvando as suas descobertas e incluindo a descrição da
superfície da Lua. No entanto, por deferência às contínuas dúvidas de
Clávio em relação a este tópico, Maelcote deixou em aberto a questão
dos
traços observados através do telescópico serem ou não montanhas e
crateras, ou se isto se devia "à densidade desigual e à raridade do
corpo
lunar", como acreditavam alguns cépticos. Antes de Galileu, os pontos e
os outros traços da Lua eram atribuídos às condições atmosféricas e à
ilusão de óptica. Isto devia-se parcialmente ao facto das partes
iluminadas da Lua (em todas as suas fases) serem arredondadas, sem
qualquer tipo de relevo que é o que seria de esperar se ela tivesse uma
superfície desigual.
Portanto, longe de ser condenado como herético pelas suas observações lunares, e por outras descobertas suas, uma vasta gama de
cientistas Jesuítas, o maior astrónomo de então, os três cardeais da
altura (um deles tornar-se-ia Papa), e o Papa Paulo V encontraram-se
com Galileu, expressaram um interesse enorme pelas suas descobertas,
celebraram-no e honraram-no pelas mesmas. A pergunta que dá origem ao
post não faz sentido nenhum.
Mas isto prende-se com o facto da história em torno de Galileu estar
rodeada de mitos. Obviamente, mais tarde Galileu foi condenado por
heresia, mas não devido às suas descobertas. E nem foi devido ao facto
dele usar as suas descobertas em apoio do modelo heliocêntrico de
Copérnico, algo que ele fez durante algum tempo sem que ninguém da
Igreja se mostrasse preocupado.
Galileu só começou a atrair a atenção da Igreja quando começou a tentar
interpretar partes da Bíblia à luz da sua convicção de que Copérnico
estava certo. No contexto da Contra-Reforma e da Guerra dos Trinta
Anos, com metade da Europa a batalhar em torno da ideia de que qualquer
pessoa, e todas as pessoas, poderiam interpretar a Bíblia como elas bem
quisessem, isto não caiu bem junto dos teólogos, que consideravam a
interpretação Bíblica fora do domínio dum mero matemático, por mais
celebrado que ele fosse.
A equívoco-chave mais popular em relação ao Caso de Galileu é aquele
que defende que a Igreja opunha-se à ciência, e que ela se encontrava
convencida de que a Bíblia deveria ser interpretada literalmente.
Na verdade, tal como se pode ver pelo que foi escrito em cima, a Igreja
era uma grande apoiante da ciência, e muitos dos seus estudiosos
encontravam-se na crista da onda das descobertas da altura. E a Igreja
aceitou por completo que a Bíblia poderia ser reinterpretada para
acomodar as mais recentes descobertas científicas, algo que não viu
necessidade de fazer por aquela altura visto que a larga maioria dos
cientistas ainda rejeitava o heliocentrismo por motivos meramente
científicos (...).
Mas esta visão mais nuancizada e mais fiel do Caso Galileu não se ajusta aos
preconceitos que muitas pessoas têm em relação à religião e/ou ao
Catolicismo, e a visão mais caricaturada do Caso Galileu como uma
batalha entre a "ciência" e a "religião" é uma parábola mais agradável
e mais polida. Devido a isso, obtemos respostas totalmente erradas e
distorcidas para esta (também errónea) pergunta (....).
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Resumidamente, Galileu não foi condenado por ter feito descobertas
científicas, mas sim por querer forçar a sua interpretação da Bíblia
tendo como base essas descobertas. Isto leva-nos a concluir que todas
as pessoas que usam o Caso de Galileu como arma de ataque contra o
Cristianismo ou não sabem do que estão a falar, ou sabem, mas estão a
mentir.