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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

As descobertas de Galileu e a reacção da Igreja Católica


Pergunta: "Porque é que a Igreja Católica olhou para as descobertas telescópicas de Galileu em relação à Lua, que o levaram a concluir que a Lua era imperfeita, como  heréticas?" 

Resposta por Tim O'Neill (medievalista ateu)

A questão é estranha visto que ela pergunta algo que nunca chegou a acontecer. A Igreja Católica não qualificou de "heréticas" as conclusões de Galileu em relação à Lua. De facto, a Igreja Católica levou os seus próprios astrónomos a confirmá-las, e posteriormente celebrou-as e honrou Galileu por isto e por outras descobertas telescópicas. Portanto, a pergunta parece basear-se numa versão distorcida da História, e não no conhecimento dos eventos em questão.

Galileu foi a primeira pessoa a usar o recém-inventado telescópio para observações astronómicas, e ele começou a fazer isto no final do ano de 1609. Ele muito rapidamente fez um certo número de descobertas, incluindo as nebulosas, as fases de Vénus, as luas de Júpiter, e o facto da nossa Lua estar coberta com crateras e montanhas. Ele publicou estas descobertas no seu livro de 1610 com o nome de "Siderius Nuncius" (“O Mensageiro das Estrelas”).

O livro causou sensação porque muitas das suas descobertas contradiziam a cosmologia Aristotélica que já era dominante há séculos, e alguns dos filósofos recusarem-se a aceitar que as observações de Galileu fossem genuínas, alegando que as mesmas eram um artefacto do seu telescópio.

Na verdade, esta era uma objecção potencialmente razoável por aquela altura visto que os telescópios eram novos e ainda não eram bem entendidos, e também variavam imenso em termos de qualidade de lente o que, consequentemente, ocasionalmente distorciam as coisas e pareciam exibir coisas que não estavam lá.

Ao contrário de mitos comuns em torno da atitude da Igreja em relação à ciência daquele período, a reacção das autoridades religiosas na Itália foi de curiosidade cautelosa. O mais respeitado astrónomo da Europa de então era o estudioso Jesuíta Cristóvão Clávio. Ele entendeu as implicações da descoberta de Galileu, mas como um bom cientista, antes de as levar mais em consideração ele queria vê-las confirmadas.

Após convite do Cardeal Belarmino, Clávio instruiu um comité de astrónomos Jesuitas do "Collegium Romanum" para construírem um telescópio e verem se conseguiam confirmar as observações de Galileu. Os cientistas Jesuítas Christoph Grienberger, Paolo Lembo e Odo van Malecote fizeram isto, e depois reportaram de volta que as observações estavam correctas. Clávio aceitou este veredicto, embora tenha mais tarde expressado dúvidas em relação à ideia de existirem montanhas na Lua.

Longe de condená-lo por heresia, a Igreja celebrou as descobertas de Galileu. No dia 29 de Março de 1611 Galileu chegou a Roma (proveniente de Florença) e encontrou-se, inicialmente, com o grande patrono da ciência, o Cardeal Francesco del Monte. O Cardeal, que o havia ajudado a garantir as suas primeiras palestras em Pisa e posteriormente em Pádua, ouviu com interesse a descrição de Galileu relativa às suas descobertas astronómicas.

No dia seguinte, Galileu dirigiu-se ao "Collegium Romanum" onde se encontrou com dois cientistas que haviam confirmado as suas descobertas: Grienberger e Maelcote, pessoas que Galileu salientou numa carta que estavam a trabalhar em novas observações das luas de Júpiter "como forma de encontrarem as suas fases de rotação". Longe de rejeitarem os seus estudos como "heréticos", estes clérigos trabalhavam para acrescentar mais dados aos mesmos.

No dia 2 de Abril, Galileu visitou o poderoso Cardeal Maffeo Barberini - que se tornaria no Papa Urbano VIII - que, posteriomente, lhe escreveu para lhe garantir todo o apoio  possível.  Depois disso, Galileu visitou o Cardeal Ottavio Bandini, que o convidou para fazer uma demonstração do seu telescópio no seu jardim privado a membros da sua família e à fina flor da cidade Romana. Finalmente, Galileu recebeu permissão para uma audiência perante o Papa Paulo V no Vaticano, e escreveu mais tarde como o papa o havia honrado imenso durante o encontro.

No dia 13 de Maio os Jesuítas e os cientistas do "Collegium Romanum" conferiram a Galileu o equivalente a uma qualificação honorária, com Maelcote a discursar de forma elogiosa durante o banquete em honra de Galileu - louvando as suas descobertas e incluindo a descrição da superfície da Lua. No entanto, por deferência às contínuas dúvidas de Clávio em relação a este tópico, Maelcote deixou em aberto a questão dos traços observados através do telescópico serem ou não montanhas e crateras, ou se isto se devia "à densidade desigual e à raridade do corpo lunar", como acreditavam alguns cépticos. Antes de Galileu, os pontos e os outros traços da Lua eram atribuídos às condições atmosféricas e à ilusão de óptica. Isto devia-se parcialmente ao facto das partes iluminadas da Lua (em todas as suas fases) serem arredondadas, sem qualquer tipo de relevo que é o que seria de esperar se ela tivesse uma superfície desigual.

Portanto, longe de ser condenado como herético pelas suas observações lunares, e por outras descobertas suas, uma vasta gama de cientistas Jesuítas, o maior astrónomo de então, os três cardeais da altura (um deles tornar-se-ia Papa), e o Papa Paulo V encontraram-se com Galileu, expressaram um interesse enorme pelas suas descobertas, celebraram-no e honraram-no pelas mesmas. A pergunta que dá origem ao post não faz sentido nenhum.

Mas isto prende-se com o facto da história em torno de Galileu estar rodeada de mitos. Obviamente, mais tarde Galileu foi condenado por heresia, mas não devido às suas descobertas. E nem foi devido ao facto dele usar as suas descobertas em apoio do modelo heliocêntrico de Copérnico, algo que ele fez durante algum tempo sem que ninguém da Igreja se mostrasse preocupado.

Galileu só começou a atrair a atenção da Igreja quando começou a tentar interpretar partes da Bíblia à luz da sua convicção de que Copérnico estava certo. No contexto da Contra-Reforma e da Guerra dos Trinta Anos, com metade da Europa a batalhar em torno da ideia de que qualquer pessoa, e todas as pessoas, poderiam interpretar a Bíblia como elas bem quisessem, isto não caiu bem junto dos teólogos, que consideravam a interpretação Bíblica fora do domínio dum mero matemático, por mais celebrado que ele fosse.

A equívoco-chave mais popular em relação ao Caso de Galileu é aquele que defende que a Igreja opunha-se à ciência, e que ela se encontrava convencida de que a Bíblia deveria ser interpretada literalmente.  Na verdade, tal como se pode ver pelo que foi escrito em cima, a Igreja era uma grande apoiante da ciência, e muitos dos seus estudiosos encontravam-se na crista da onda das descobertas da altura. E a Igreja aceitou por completo que a Bíblia poderia ser reinterpretada para acomodar as mais recentes descobertas científicas, algo que não viu necessidade de fazer por aquela altura visto que a larga maioria dos cientistas ainda rejeitava o heliocentrismo por motivos meramente científicos (...).

Mas esta visão mais nuancizada e mais fiel do Caso Galileu não se ajusta aos preconceitos que muitas pessoas têm em relação à religião e/ou ao Catolicismo, e a visão mais caricaturada do Caso Galileu como uma batalha entre a "ciência" e a "religião" é uma parábola mais agradável e mais polida. Devido a isso, obtemos respostas totalmente erradas e distorcidas para esta (também errónea) pergunta (....).


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Resumidamente, Galileu não foi condenado por ter feito descobertas científicas, mas sim por querer forçar a sua interpretação da Bíblia tendo como base essas descobertas. Isto leva-nos a concluir que todas as pessoas que usam o Caso de Galileu como arma de ataque contra o Cristianismo ou não sabem do que estão a falar, ou sabem, mas estão a mentir.