por Sinclair Ferguson |
Dr. Sinclair Ferguson é nascido na Escócia, obteve seu PhD pela Universidade de Aberdeen. Atualmente pastoreia a First Presbyterian Church (Primeira Igreja Presbiteriana), em Columbia, na Carolina do Sul e serve como professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary, na Filadéfila (EUA). Ferguson é autor de diversos livros e atua como preletor em conferências, seminários e igrejas em diversos países.
Falar sobre o inferno significa falar sobre coisas tão impressionantes, que isso não pode ser feito com tranqüilidade.
No entanto, o inferno existe. Esse é o testemunho das Escrituras, dos apóstolos e do próprio Senhor Jesus. Aquilo que é emocionalmente intolerável também é verdade – e nisso está o seu terror.
Cumpre ao pastor cristão familiarizar-se com o ensino sobre o inferno, sentir a sua importância, pregar sobre ele e aconselhar seu rebanho em relação ao seu significado e suas implicações.
PECAMINOSIDADE REVELADA
O pregador fala como alguém consciente de que ele mesmo tem de apresentar-se diante do tribunal de Cristo: “Importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2 Co 5.10). Talvez mais do que qualquer outra coisa, isso tem de se tornar a atmosfera a partir da qual os servos de Deus abordam suas tarefas como pregadores e pastores. Eles comparecerão no tribunal de Cristo. Somente aqueles que estão plenamente cônscios de que se apresentarão diante do tribunal de juízo podem falar com um senso de relevância sobre as questões da vida e da morte, do céu e do inferno.
É nesse ponto que aprendemos para nós mesmos a terrível revelação de nossa pecaminosidade. E isso, por sua vez, nos capacita a enfatizar três coisas essenciais à nossa pregação.
• A justiça de Deus
• A pecaminosidade de nosso pecado
• A absoluta justiça da condenação de Deus sobre nós
A menos que estabeleçamos esses princípios coordenados e os inculquemos na mente e consciência de nossos ouvintes, há pouca probabilidade de que lhes impressionaremos com a pregação sobre o inferno.
Todo membro da raça humana decaída precisa ter colocada diante de si a total e radical inescusabilidade do pecado e da absoluta justiça da condenação da parte de Deus. Somente assim o homem caído pode levar e levará a sério o inferno. A pregação dessas verdade tenciona remover a cegueira, despertar e aguçar a consciência dormente. Do contrário, persistimos em nossa suposição de que, não importando o destino que sobrevenha a outros (um Nero, um Hitler ou um Idi Amin), nós mesmos estamos seguros em relação à condenação divina.
O QUE DEVEMOS PREGAR SOBRE O INFERNO?
Então, o que devemos pregar sobre o inferno? Há várias coisas que precisamos afirmar.
1. O inferno é real.
Uma das características da pregação de Jesus foi advertir quanto a perspectiva do inferno, assim como lhe foi característico falar sobre os elevados privilégios do céu. Pelo menos para ele o inferno era tão real quanto o céu.
2. O inferno é descrito vividamente nas passagens do Novo Testamento.
No decorrer dos séculos, os teólogos têm debatido se o vocabulário bíblico referente ao inferno deve ser tomado literal ou metaforicamente. Minha opinião é que, em qualquer aspecto do ensino bíblico em que várias descrições contêm elementos que se encontram em tensão com outros, essas descrições são provavelmente metafóricas. Mas, havendo dito isso, precisamos afirmar também – e este é um fato crucial – que as metáforas são empregadas precisamente para descrever realidades maiores do que elas mesmas.
O inferno é uma esfera de separação e privação, de sofrimento e punição, de trevas e destruição, de desintegração e perecimento. O vocabulário do Novo Testamento inclui: trevas exteriores, choro e ranger de dentes, destruição do corpo e da alma, fogo eterno, fogo do inferno, condenação do inferno, perder a vida eterna, a ira de Deus, eterna destruição longe da presença do Senhor, perecer, separação, negridão das trevas.
O que o pregador deve fazer com essa linguagem? Deve fazer exatamente o que fazemos com qualquer linguagem bíblica: usá-la até aos limites de seu significado no texto, nem mais, nem menos. Em particular, a palavra “eterno” ressalta a magnitude do que está em vista. Essa condição não é somente uma condição de separação de Deus e desintegração de tudo que é agradável; é tudo isso com duração perpétua e permanente. Foi isso que levou Thomas Brooks, grande pregador do século XVII, a clamar em palavras que encontramos também nos lábios de seus contemporâneos:
Oh! esta palavra eternidade, eternidade, eternidade! Esta palavra eterno, eterno, eterno! Esta palavra para sempre, para sempre, para sempre, espedaçará o coração dos condenados em inúmeras partes... No inferno, os pecadores impenitentes terão fim sem fim, morte sem morte, noite sem dia, lamento sem consolo, tristeza sem alegria e escravidão sem liberdade. Os condenados viverão por tanto tempo no inferno quanto Deus mesmo viverá no céu.
3. O inferno, embora preparado par o Diabo e seus anjos, é compartilhado por seres humanos.
O inferno é o deserto da humanidade, habitado por aqueles que rejeitam a Cristo e sua revelação. Aqueles que não pertencem ao reino de Deus estão lá: “Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira” (Ap 22.15; cf. 1 Co 6.9). O homem rico está lá (Lc 16.19-31); aqueles que não amaram os irmãos de Cristo estão lá (Mt 25.41-46); alguns que profetizaram, expulsaram demônios, realizaram milagres em nome de Cristo estão lá (Mt 7.21-23); “os que não conhecem a Deus e... não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” estão lá (2 Ts 1.8); Judas Isacriotes está lá (At 1.25), porque melhor lhe fora não haver nascido (Mt 26.24); o Diabo e seus anjos, a besta e o falso profeta estão lá, “atormentados... pelos séculos dos séculos” (Ap 19.19-20; 20.10, 15).
A perspectiva desse juízo é tão terrível que, ao ser revelado:
Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se? (Ap 6.15-17)
De fato, isso é muito terrível para ser contemplado – é mais terrível do que o vocabulário usado para descrevê-lo, assim como o céu é mais glorioso do que nossas palavras talvez possam descrever.
Como milhões de outras pessoas, assisti em 11 de setembro de 2011, com horror e presságio, em tempo real, pela televisão, no Reino Unido, ao segundo avião se chocando nas Torres Gêmeas, em Nova Iorque; e, depois, vi os prédios caindo em escombros, enquanto as pessoas corriam para salvar sua vida. Foi um dos mais horríveis acontecimentos que testemunhamos “ao vivo”. Enquanto eu assistia ao acontecimento, perguntei-me: que tipo de horror cataclísmico faria homens fortes correrem para aqueles escombros cadentes a fim de acharem proteção, preferindo esse holocausto à ira do Cordeiro?
4. O mais importante em expormos e aplicarmos o ensino bíblico sobre o inferno é isto: temos de enfatizar que há um caminho de salvação. Há um lugar de abrigo para nos escondermos da ira do Cordeiro.
O evangelho não é essencialmente uma mensagem sobre o inferno. Contudo, não podemos ser fiéis às Escrituras se não pregamos sobre o inferno pela simples razão de que o próprio evangelho não pode ser entendido sem a realidade do inferno.
“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós” (2 Co 5.21). Em resumo, o evangelho é isto: Cristo tomou o nosso lugar, levando sobre si o nosso pecado, provando o nosso julgamento, morrendo a nossa morte – para que compartilhemos do seu lugar, sejamos vestidos de sua justiça, provemos sua vindicação e experimentemos sua vida.
No entanto, ser feito pecado implica sujeição à condenação de Deus e ao justo juízo da punição do inferno. De fato, essa é maneira como o Novo Testamento (sempre à luz do Antigo) vê o significado da morte de Jesus.
O QUE OS PASTORES PRECISAM PARA PREGAR SOBRE O INFERNO?
É nesse contexto que a pregação sobre o inferno faz parte da pregação do evangelho. Quando entendemos que isso é o que a morte de Cristo significa, quando isso domina nossa alma, começamos a ver o modelo da pregação dos apóstolos reproduzida em nosso próprio ministério. Assim, constrangidos pelo amor, temos algumas implicações.
1. Coragem e compromisso
Pregar sobre o inferno exige coragem e compromisso. Coragem é necessária porque em alguns contextos contemporâneos apenas uma menção do inferno é suficiente para garantir a acusação de que temos um espírito severo e mente intolerante.
Compromisso é necessário porque esse ministério exige um desejo de viver para Cristo (2 Co 5.15) e de ver homens e mulheres vindo a Cristo. E isso é superior ao nosso desejo natural por segurança e popularidade. Não é possível ser apreciado por pregar a verdade sobre o inferno (embora seja possível, de modo paradoxal e com gratidão, ser amado por pregá-la).
2. Uma perspectiva verdadeiramente bíblica
A humanidade pecaminosa olha naturalmente para a vida por meio da extremidade errada do telescópio. Para eles, o tempo é longo, e a eternidade, curta; esta vida é extensa, e a vida por vir, breve; este mundo é real, e o mundo por vir, irreal. Isso é o que significa viver kata sarka(“segundo a carne”), e não kata pneuma (“segundo o Espírito” – Rm 8.4). Todavia, os olhos do cristão foram abertos e estão fixos em Cristo e na eternidade.
Um cristão olha para vida à luz do destino ao qual ela conduz e vê cada pessoa nesse contexto. As famosas palavras escritas por volta de 1834 pelo ainda jovem, mas que morreria em breve, Robert M’Cheine expressam bem esse ponto de vista e suas implicações: “Enquanto andava pelos campos, sobreveio-me, com poder quase avassalador, o pensamento de que cada pessoa de meu rebanho estará em breve no céu ou no inferno. Oh! como desejei que tivesse uma língua semelhante a um trovão, para que fizesse todos ouvir; ou que tivesse uma estrutura física como que de ferro, para que visitasse cada um deles e lhe dissesse: fuja, por amor à vida”. Por trás de todos que conhecemos e encontramos está a sombra do julgamento.
Sabendo isso, como podemos nos manter em silêncio – ou em covardia? Só podemos fazer isso se nós mesmos vivemos em negação da realidade que sabemos foi revelada no evangelho.
3. Uma profunda consciência de nossa vocação
“Deus... nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação... e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2 Co 5.18-20).
O pregador cristão é um devedor porque, por meio de Cristo, ele mesmo foi liberto do juízo vindouro. Ele é um mordomo porque a mensagem de reconciliação lhe foi confiada. Ele tem de empregar os recursos providos por seu Senhor, não para diminuir, nem para acrescentar, nem para transformá-los. Ele é, também, um embaixador cuja tarefa consiste em representar sempre seu Senhor e anunciar fielmente a sua mensagem.
Essa é a razão por que nossas próprias desculpas jamais devem prevalecer (“Eu não sou esse tipo de pregador”; “a congregação não receberia bem essa mensagem”; “as pessoas não levam mais essas coisas muito a sério”; “estamos vivendo numa época em que esse tipo de ênfase não atrai as pessoas para Cristo”).
Quando Robert M’Cheyne encontrou-se com seu querido amigo Andrew Bonar numa segunda-feira e perguntou-lhe o que havia pregado no dia anterior, recebeu esta simples resposta: “O inferno”. Em seguida, perguntou-lhe mais: “Você pregou com lágrimas?”
CONCLUSÃO:
Portanto, somos chamados a pregar como representantes de Cristo: pregar com equilíbrio bíblico, com um foco cristocêntrico, com a humanidade daqueles que reconhecem sua própria necessidade de graça perante o tribunal de Cristo, com uma disposição de sofrer à luz da glória vindoura, com amor e compaixão em nosso coração e de um modo que recomenda e adorna a doutrina de Deus, nosso Salvador.
(Este artigo é uma condensação do capítulo “Pastoral Theology: The Preacher and Hell”, escrito por Sinclair Ferguson e publicado no livro Hell Under Fire: Modern Scholarship Reinvents Eternal Punishment, editado por Christopher W. Morgan e Robert A. Peterson. Copyright © 2004 Christopher W. Morgan e Robert A. Peterson. Usado com permissão de Zondervan.)
Fonte: Fiel
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